Maphead - Ken Jennings
Maphead
Mapas são
representações fidedignas e curiosas da paisagem real. São elaborados em
diversas escalas e temas. Eu sempre tive um enorme interesse por essas peças.
Em minha infância, quando meu pai parava para abastecer o carro durante as
viagens, fascinava-me descobrir a localização em que nos encontrávamos nos
mapas pendurados nas paredes dos postos. Não era tarefa difícil, pois o ponto
mais sujo e desbotado do mapa sempre acusava a cidade em que o tanque estava
sendo abastecido. Desde cedo, convivi com mapas e livros sobre a mesa do
escritório do meu pai. Havia também um enorme mapa-múndi na parede esquerda e
um mapa político do Brasil no outro lado. Criei ainda mais gosto quando presenciei
meu pai confeccionando mapas de cavernas. Cheguei até a participar de algumas
expedições topográficas em cavernas pelo entorno de Brasília. No primeiro grau,
o único livro que realmente me atraía era o de história, por conta dos diversos
mapas impressos.
Dias atrás, finalizei a leitura do livro “Maphead - Charting
the wide, weird world of geography wonks”, de Ken Jennings. O livro descreve as utilidades e preciosas curiosidades
sobre mapas e afins. Detalhes interessantes, como, por exemplo, o fato de o
Google Earth delimitar diferentes fronteiras entre os mesmos países dependendo
do local de visualização (por conta de litígios geopolíticos). Outro ponto
curioso é observar a semelhança entre os contornos dos estados. Compare, por
exemplo, a Colúmbia Britânica com a Califórnia.
O precoce interesse pelos
mapas me rendeu frutos. Atualmente, tenho uma relação frequente e muito
produtiva com eles. Organizo e detalho minhas viagens e expedições de bike,
caiaque e trekking tendo como ferramentas básicas mapas e aplicativos como o
Google Earth.
O uso de mapas para deslocamentos
e localização é um artifício muito antigo, pois como Jennings cita no livro, desde
a primeira vez que um hominídio peludo decidiu alterar sua rota de caça a fim
de evitar um obstáculo ou um predador, ele desenhava um mapa em sua cabeça.
A arte de trabalhar com mapas mudou com os tempos.
Para se ter uma ideia, há pouquíssimo tempo atrás, coisa de quinze anos, quando
eu planejava uma expedição, eu iniciava a labuta tentando encontrar o mapa da
região que desejava explorar, procedimento que mais parecia a caça ao tesouro
em si! Com o mapa em mãos, era hora de escolher a trilha a se percorrer, outra
tarefa dificílima, tendo em vista a desatualização dos mapas brasileiros.
Então, vinha a parte mais interesante e artesanal, a identificação dos pontos
de passagem (Waypoints), o que era feito coletando a interseção de dois ângulos
no mapa (latitude e longitude) por meio de uma régua. Meus mapas eram todos
rabiscados nas bordas por conta das inúmeras contas de conversão de centímetros
em graus e vice versa. A regra de três era usada exaustivamente! Depois de ter
os pontos e rotas confeccionados, eu plastificava cuidadosamente o mapa, afinal
aquele pedaço de papel era a minha passagem de ida e volta para um mundo totalmente
desconhecido. Finalmente vinha a execução, não tão prazerosa como a fase de
planejamento! Era hora de arrumar a mochila, rezar para não ter errado algum
cálculo e navegar com a bússula em campo. O mapa, simplesmente, era o registro
da história da viagem. A linha por onde eu havia passado, os pontos onde dormi
e me alimentei, os trechos mais cabulosos, tudo estava naquele pedaço de linhas
e formas maravilhosas.
Hoje é bem diferente. A parte artesanal foi trocada
pela tecnologia. Para se planejar uma viagem, abre-se o Google Earth e a rota é
desenhada num clicar de mouse. Simples assim! Essa rota é transferida para o
GPS (nos aparelhos atuais, nem de cabo precisa), e a parte mais difícil fica
por conta da persuasão do chefe com a liberação. A navegação é toda realizada
por meio do GPS. Acabou-se o mapa de papel!
Ainda que a tecnologia nos auxilie muito, há também o
lado negativo dessa evolução. No livro, Jennings relata um preocupante desinteresse
pela Geografia por parte das crianças. O autor explica o fenômeno dizendo que
as crianças vivem, cada vez mais, em um mundo “sem lugar” – sem qualquer exploração
pessoal pela Geografia da vida real. Escolhemos estilos de vida isolados –
isolados por carros, por TV, por Ipod, por internet ou telephone – isso nos
distancia de nossos arredores. Reconhecer o nosso meio ambiente não é uma atividade
única; é toda uma rede de sentidos espaciais e habilidades, tão fundamentais
que não podemos deixá-los serem trocados por máquinas, completa Jennings.
Melhor
que as fotos de minhas viagens, são meus mapas. Enxergo neles experiências de
vida, histórias únicas, locais intocados, pessoas interessantes, outras nem
tanto, chuvas torrenciais e dias perfeitos. Porém, por mais curioso que possa
parecer, o que mais me fascina nisso tudo é a linha pontilhada deixada para
traz. Significa minha passagem por esse mundo. O rastro virtual de minha experiência.
“An individual is not distinct from his place. He is his place.”