terça-feira, 18 de julho de 2017

Corta Mato Survival Run 2017

Ano passado, assisti ao documentário "The Barkley Marathons" no Netflix e fiquei impressionado com o "style" da prova. O organizador cobra como inscrição um casaco e uma placa de carro. Para certificar que cada atleta passe pelo percurso delimitado, há livros estrategicamente posicionados para que seja arrancada a página correspondente ao numeral do corredor. Ao final, as páginas são conferidas. Quando alguém resolve abandonar a prova, um voluntário toca no trompete a "marcha fúnebre" para que todos saibam que esse participante parou. A largada, simplesmente, é dada quando o diretor da prova acende um cigarro. Curiosamente, apesar de um percurso duríssimo, a competição tem um clima extremamente familiar e altruísta. Esses detalhes ficaram em minha cabeça desde então.
Pouco tempo atrás, um amigo de Palmas me perguntou se eu correria a "Corta Mato", em Brasília. Sem saber do que se tratava, esmiucei o respectivo site para me inteirar e acabei encontrando a "Barkley Marathons" no quintal de minha casa!
Em meio a uma época tão carente de amizade e respeito, cativou-me de imediato o espírito familiar da Corta Mato Survival Run. 
As curiosidades dessa competição começaram logo no simpósio técnico - realizado em um mini castelo no Parque da Cidade. Em meio às explicações sobre o percurso, o diretor da prova (Frank Ned) fotografava cada atleta portando o número de competição, como se estivesse sendo "fichado"! O kit do atleta, que era retirado de uma mala aberta no chão, continha a camiseta da prova, o número, duas pílulas de purificação de água, uma paçoca e uma língua de sogra!
Exatamente às 05:00 horas do dia 16 de julho, em uma região rural próxima a Brasília, fazendo 10º C, 35 pessoas largaram para a 3ª edição da Corta Mato Survival Run. 
Logo nos primeiros quilômetros, percebi o que encontraria durante a prova. Um single track longo e inclinado nos guiou até a parte mais alta do percurso, local em que iniciamos um verdadeiro "corta mato". 
Por quase 2 quilômetros, cruzamos o cerrado sem trilha, apenas seguindo os pedaços de fitas zebradas penduradas nas árvores. Tarefa quase impossível no breu da madrugada. 
Após inúmeras tropeçadas, finalmente retornei à trilha, desta vez descendo de volta para o vale. O controle de passagem pelo percurso é feito exatamente igual na Barkley Marathons, ou seja, com páginas de livros. Cada atleta é responsável por si próprio (em todos os sentidos!) e deve rasgar do livro a respectiva página de seu número de peito.
No primeiro ponto de checagem, me deparei com a CLT (Consolidação da Leis do Trabalho) pendurada em uma árvore no cume de um morro. Aproximei-me e procurei a página 9 (meu número). Sem muito tempo para entender um pouco mais das leis trabalhistas, rasguei e dobrei a página 9 e segui adiante.


Cruzando por trilhas e riachos belíssimos, acabei me esquecendo do frio da madrugada. Por volta do quilômetro dez, alcancei o cume do terceiro morro da prova, de onde apreciei um início de alvorada espetacular. Alguns passos adiante, encontrei o segundo ponto de checagem. desta vez rasguei a página número 9 do Código Civil Brasileiro.
Alguns minutos a mais e eu já me encontrava de volta ao fundo do vale. Correndo por uma trilha fechada, na expectativa de chegar ao leito de pedras de um riacho por onde correríamos, dei de cara com meu irmão, que também fazia a prova. Sem pensar muito, concluí: um Manzan havia errado o percurso! 
Após debatermos um pouco, preferi acreditar que eu estava certo. Convenci meu irmão a retornar e seguimos na prova, cada um em seu ritmo. No leito do rio, deparei-me com um crânio de boi pintado de vermelho. Apesar da macabra sinalização, vi que estava na direção certa! Feliz por mim e triste por meu irmão, dei continuidade a minha prova. 
No último ponto de controle, rasguei a página nove de um guia prático de photoshop. Saímos das leis para a fotografia!
Cinco quilômetros depois deste ponto, eu cruzava a linha de chegada; ou melhor, a fogueira de onde havíamos largado 2h10' antes, local em que encontrei apenas um cavalo arreado e um cobertor que, certamente, um corredor deixara antes da largar. 
Não havia staffs. Não precisava mesmo. Ninguém estava lá querendo saber posições ou parciais. O objetivo de todos era um só: trocar impressões e percepções de um dia espetacular na trilha. O que de fato aconteceu. 
Enquanto esperava meu irmão e dois amigos de Palmas finalizarem a prova, fiquei observando a feição dos que chegavam; olhos brilhando e um sorriso largo nitidamente demonstravam a satisfação em ter passado por aquela experiência e ter completado o exigente percurso.          
                                          Atleta rasgando o Código Civil Brasileiro!


Após a prova, observando as três páginas nove arrancadas, tive a curiosidade de ler o conteúdo de uma delas. Entre outros artigos, na página nove do Código Civil Brasileiro constava: 
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. 

Oportuníssimo!                    

Agradecimentos:
Frank Ned




domingo, 9 de julho de 2017

Volta de bike Represa de Corumbá III


"Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, 
 que me insere na busca, não aprendo nem ensino".
 Paulo Freire 


Data: 17 e 18/06/2017
Distância: 170 km  
Integrantes: 
Alexandre Manzan 
Guilherme Gonçalves









Tinha acabado de retornar de minhas férias e o amigo Guilherme sugere passar o fim de semana pedalando em algum canto do Goiás.
- Não vai rolar Guilherme. Acabei de chegar em Brasília e estou fora de forma. Não dá mesmo. 
Mesmo assim, inquieto que sou, desliguei o telefone e abri o Google Earth. Rolando o cursor pelo entorno do Distrito Federal, acabei identificando a fazenda de minha tia Odete (local de onde eu já havia partido para uma viagem de caiaque pela represa Corumbá-III). Abrindo um pouco mais o zoom, vislumbrei algumas promissoras trilhas que poderiam ser acessadas vindo de Luziânia, cidade do Guilherme. A fim de não retornar por onde tinha passado, tracei uma nova rota para voltar a Luziânia. Para executar essa ideia, teríamos que cruzar rio Corumbá no segundo dia e seguir viagem.
Com a rota finalizada, liguei para o Guilherme e disse:
- Então, acho que encontrei umas trilhas novas!! Bora?
Sem muito pensar, organizei minhas tralhas na manhã seguinte e segui para Luziânia/GO onde encontraria o Guilherme. 

Sem nada organizado, Guilherme quase me tirou do sério. Por volta de 11h35min, largamos, finalmente, rumo à fazenda de minha tia. O início do pedal foi marcado por estradões. Faltando 30 quilômetros para chegar, entramos na parte de single tracks. O pedal se tornou bem mais agradável e divertido, mas a progressão tornou-se extremamente lenta. Com o sol se pondo atrás da represa, chegamos famintos à casa da tia Odete. Passamos o início da noite comendo a galinhada que ela havia feito e contando para ela detalhes da pedalada. 

No outro dia, cruzamos com as bikes em uma canoa para a outra margem do lago. Dali, tínhamos mais 90 quilômetros até concluirmos o pedal na casa do Guilherme.
Iniciamos o segundo dia com uma subida de cinco quilômetros. Na sequência, entramos em uma estrada vicinal, a qual dava acesso à ferrovia que liga Brasília ao sudeste. Cruzando a ferrovia, paramos no rio São Bartolomeu para um merecido refresco e tocamos seguindo a rota do GPS que eu havia vislumbrado anteriormente. Um grande problema em se planejar uma rota pelo Google Earth, devido à falta de nitidez das imagens, é a incerteza do que se encontrará realmente "in loco". Já me surpreendi diversas vezes com o que encontro pelas rotas planejadas. Cercas, passagens intransponíveis, subidas muito inclinadas, trilhas que deixaram de existir e, inclusive, fazendeiros antissociais!
Este último empecilho é, sem dúvida, o mais difícil de negociar. Em outra viagem, tive que fazer um desvio de vários quilômetros porque o fazendeiro não queria que eu cruzasse seu pasto. 
Na volta do Corumbá, faltando 40 quilômetros para o final, seguindo a linha sugerida na tela do GPS, sem perceber, adentramos em uma fazenda e demos de cara com o dono. Sem  muita simpatia, ele nos indicou a direção da saída, a qual seguimos imediatamente. Poucos minutos depois, fomos surpreendidos pelo capanga da fazenda. Com um chapéu de vaqueiro desfiado e portando um revólver 38 explicitamente acomodado na cintura, ele nos obrigou a parar e detalhar nossas intenções por ali. Após alguns minutos de negociação, o "bronco" nos escoltou até a entrada da fazenda. Por sorte o caminho até a porteira era o mesmo da rota planejada.
Já eram quase 17h e ainda tínhamos 30 quilômetros até Luziânia. Aceleramos o máximo para não pegarmos noite, mas não teve jeito. Os últimos dez quilômetros foram com as lanternas ligadas. Digo: a minha lanterna de cabeça ligada, pois com a desorganização do Guilherme, tínhamos apenas uma lanterna para os dois. Um pouco nauseados por conta do único foco de lanterna em meio ao breu, chegamos, enfim, às 19h em Luziânia, onde tomamos um chope para encerrar o final de semana.  
Mais uma para a conta!         
    
Agradecimentos: