sábado, 8 de abril de 2017

Indomit Pedra do Baú - lost in the woods


Na minha atual condição de vida, considero um grande esforço treinar para uma prova. Além das incontáveis e dolorosas sessões de treinamento, administro minha vida familiar, a vida profissional e minha paciência para realizar tudo isso em uma cidade caótica.  
Às vésperas do Indomit Pedra do Baú, fora o cansaço físico, contabilizava o dispêndio de tempo e dinheiro gastos até então. Apesar de todos esses fatores nem tanto positivos, continuo achando que vale a pena. 
No dia 31 de março deste ano, desembarquei em São Bento do Sapucaí - SP (local da prova) com a consciência tranquila em relação ao que eu poderia ter treinado. Procurando por um local onde tomar um café, fui gentilmente orientado por um senhor a experimentar a padaria Santo Pão, estabelecimento no qual, saboreando um delicioso café local, elaborei minha tática para correr os 21 quilômetros.    
Encantado com o clima bucólico e simpático da pequena cidade, segui, no dia seguinte, para a largada.
Como de praxe, esquentei minhas articulações com um pequeno trote próximo à praça central. Após quase 27 anos forçando minhas estruturas em provas de todos os tipos, meu tornozelo esquerdo (remendado depois de um acidente em 1997) não se comporta tão bem como antes. Por conta disso, larguei com um ritmo mais conservador para dar tempo ao meu companheiro de lutas de se lubrificar!
Segui em um grupo de quatro atletas até próximo ao quilômetro 5, onde iniciava a maior subida da prova. A partir de então, coloquei meu plano em prática e ataquei. A ideia era tentar abrir o máximo que pudesse a fim de poder ter uma margem para administrar a prova ao final. 
Logo no início da subida, percebi que estava sendo seguido por um cachorro preto que aparentava-se com um "dingo australiano". Alguns quilômetros se passaram e pude perceber que havia aberto uma boa vantagem para o segundo colocado, mas o cachorro preto continuava ao meu lado. Passando por retardatários das outras distâncias que haviam largado antes da minha, fiquei impressionado em ver que o cachorrinho preto seguia firme ao meu lado, sem se distrair com os outros atletas que íamos cruzando. 
Seguimos então. Eu, executando meu plano, e o cachorro preto, a quem eu passei a chamar de "Lost" - nome que posteriormente cairia como uma luva! 
Repetidamente, o lost me ultrapassava e se posicionava em minha frente, o que acabava me atrapalhando a correr. Diante disso, eu empurrava-o levemente para frente, mostrando que ele deveria correr ou do lado ou atrás. Custou-me alguns tropeções até ele entender que deveria correr atrás de mim. Contudo, não demorou muito para que eu tropeçasse novamente, desta vez por conta de Lost se atrapalhar com meu calcanhar! 
Aproximadamente no quilômetro 10, o percurso começava a descer de volta à chegada. Parei para tomar água em um posto de abastecimento e segui firme até chegar a uma bifurcação dois quilômetros à frente. Neste ponto, avistei duas placas que indicavam as direções a serem seguidas pelos corredores dos 50 quilômetros e dos 30. Indaguei ao staff por qual direção deveria seguir quem estivesse correndo os 21 quilômetros, momento em que ele me respondeu:
- 21 quilômetros? Por aqui não passa essa distância. Você errou o caminho!
Uma sensação de indignação e incredulidade me preencheu de imediato. 
- Não é possível. Eu murmurava desolado.
Completamente desmotivado com a situação, retornei pelo caminho que havia passado a fim de tentar encontrar o local onde deveria ter entrado. Em minha cabeça só se passavam os treinos que tinha realizado e todo o comprometimento com aquele dia.
Chegando no ponto de abastecimento onde tomara água, notei que uma placa sinalizando a direção dos 21 quilômetros havia sido fixada após minha passagem. Um tanto quanto nervoso indaguei ao staff por qual razão ele não tinha colocado a placa antes?
- Desconcertado com a situação, ele respondeu que não pudera, pois estava "ocupado"!
Devo ter perdido uns vinte minutos ou mais com o erro da organização. Minha prova mudou completamente. A partir do momento em que soube que estava no percurso errado, passei a correr desmotivado. Não havia mais sentido em fazer força. Finalizaria a prova apenas para completar o percurso.
Sei que falhas assim acontecem, mas é frustante passar por tal situação. 
É vida que segue! 
Restava a mim contabilizar os frutos da viagem. Além da incrível paisagem da região da Pedra do Baú, tive o privilégio de ter a companhia de "Lost" correndo por trilhas maravilhosas. Aproveitando o ensejo, acho um egoísmo absurdo criar um cachorro em apartamentos que mal cabem os próprios donos. É uma condenação perpetua a um animal que precisa de espaço e liberdade - exatamente como o "Lost" tem na região de São Bento. Sentirei saudades desse cão tão livre e certo de si.

                                                                       Manza