Viagem de bike pela Europa - Parte I

Empurrei a última peça de roupa pra dentro do saco estanque, conferi a rota no GPS, chequei a comida e a água do dia. Pronto. Minha vida nos dois meses seguintes estava organizada e dividida entre os alforjes de minha bike e uma pequena mochila que iria sobre minhas costas.

Tinha um amigo que morava em Palermo, na Sicilia, e outro em Paiol Novo, Portugal. Tendo os pontos de saída e chegada, deixei por conta do acaso os lugares por onde eu passaria durante a viagem.

Durante vários meses, eu havia pensado e sanado inúmeros problemas com os quais eu poderia me deparar, mas, na hora de largar, um vazio tomou conta de minha cabeça. Será que havia esquecido algum detalhe?

 

Para traz ficavam os motivos que tinham me levado a aquele instante. Pela frente, 4 países, 3500 quilômetros e outros números que iria descobrir pelo caminho: quantos novos amigos? quantas experiências? quantos lugares??

Sem celular, laptop ou similares, minha comunicação seria no estilo “old school” total.  

08/05/2014 Vila San Giovanni (Calábria) – Mileto

Distância: 73 km
Média: 22,5 km/h
Asc: 1277 m
Tempo: 3h14’
Acomodação/preço: Bed & breakfast - 15 Euros

 

Depois de “esquentar os motores” na Sicilia por 3 dias, definitivamente parti. Visual belíssimo nos primeiros 30 quilômetros. Tempo agradável para o frio que eu esperava.

09/05/2014  Mileto - Cetraro
Distância: 128 km
Média: 25,3 km/h
Asc: 1133 m
Tempo: 5h02’
Acomodação/preço: Camping - 10 Euros
 

 

Saída às 09:30h com tempo fechado. Frio e vento contra o dia todo. Percurso plano e difícil de fazer força. Chegando em Cetraro, achei um belo camping, onde montei a base do dia. Preparei minha comida e fiz amizade com um casal de holandeses que viajavam em um motorhome. Dormi um pouco à tarde nas pedras quentes da praia. Expectativa de início de viagem.

 

10/05/2014  Cetraro - Palinuro

Distância: 133 km
Média: 22,8 km/h
Asc: 1985 m
Tempo: 5h49’
Acomodação/preço: hotel - 25 Euros

Após tomar um belo café com meus novos amigos holandeses, larguei às 10:20h. Vento frio nos primeiros 60 kms. Após entrar na região de Basilicata, o relevo mudou, aparecendo uma série de paredões de rochas saindo direto do mar e atingindo alturas significantes. Visual belíssimo. Muitas subidas.

Com 95 kms, fui surpreendido pela impossibilidade de prosseguir pela estrada que eu havia planejado. Desta forma, fui obrigado a fazer um desvio, alterando o percurso inicial e aumentando a ascensão total do dia. Final com uma “piramba” de 580 metros em 6 km.

Por coincidência, na tv do hotel em que me hospedei, estava passando um documentário sobre um cara que havia largado tudo para dar a volta ao mundo de bike (Fino alle fine del mondo).

Durante a apresentação do documentário, me identifiquei com a narrativa do protagonista: as mesmas inquietudes, o inconformismo com sua rotina em casa, a curiosidade em conhecer o desconhecido, etc. Durante sua viagem, o cara passa pelos mesmos perrengues que eu passaria: frio, subidas intermináveis, a distância e a saudade de casa!

 

O protagonista ainda declarou sua tentação em comprar uma passagem e voltar para casa. Exatamente como eu pensava quando estava em momentos difíceis e olhava o trem passando próximo!

Fui dormir tentando não me influenciar com o final do documentário. O camarada havia desistido de completar seu objetivo no meio da viagem, quando conheceu uma paquistanesa e com ela se casou. ”Game Over”!

11/05/2014  Palinuro - Angri

Distância: 130 km
Média: 23,1 km/h
Asc: 1337 m
Tempo: 5h37’
Acomodação/preço: hotel - 25 Euros

 

Poucas subidas no início. Após pegar a “Strada Statale 18”, o percurso se tornou mais suave. Parei com 60 kms para comer, quando um motorhome parou no mesmo local em que eu estava (estacionamento em frente ao mar) e o dono, sua mulher e sua irmã me convidaram para almoçar. O cara era a lata do “Mario Bros”. Logo tirou uma mesinha do carro e nela comemos uma bela pasta italiana. Tudo de que eu necessitava.

Desse local até onde dormi nesse dia, foi um plano eterno até Salerno e apenas uma subida antes da chegada. Nas proximidades das cidades, havia várias prostitutas na beira da pista, próximo às matas. Fiquei impressionado com a quantidade. Tem em todo lugar do mundo!

 

Demorei a achar um hotel em conta. Desde que tinha começado a viagem, ainda não havia encontrado um telefone público em que fosse possível ligar para casa. Seis dias sem comunicação com a família até então.

12/05/2014  Angri - Minturno
Distância: 122 km
Média: 22,7 km/h
Asc: 702 m
Tempo: 5h21’
Acomodação/preço: hotel - 20 Euros

Dia difícil. Saída às 09h40min. Conforme já era esperado, primeiros 35 quilômetros bem lentos devido ao piso de bloquete e ao trânsito louco até Nápoles, onde almocei. À tarde, continuei minha labuta em achar o caminho em meio ao estressante caos urbano. Apesar disso, o visual do vulcão Vesúvio e dos sítios arqueológicos pelo caminho compensaram o sufoco.

Com 60 kms, senti uma trepidação na roda traseira. Ao conferir, percebi que o pneu estava rasgando. Quem diria! Um Continental! Passei a andar com a pressão do pneu um pouco mais baixa, a fim de prolongar-lhe a vida.

Passei por outra região suja e cheia de putas. A Itália atravessa uma difícil fase financeira e, para piorar, uma grande quantidade de imigrantes em busca de uma vida melhor infesta o país. Como já dizia meu pai: “Urubu é preto pra todo lado”!

Chegando em Mondragone, consegui trocar o pneu da bike e, assim, decidi tocar mais 20 kms. Acabei cruzando mais uma fronteira de regiões da Itália (Campania/Lazio). Parei em um hotel mais sofisticado que meu orçamento poderia arcar e o atendente acabou se comovendo com minha situação e me fez um preço acessível. Ao sair para jantar, percebi que, sem querer, havia me hospedado em um lugar próximo a um dos mais importantes sítios arqueológicos do Império Romano.

 

13/05/2014  Minturno - Roma

Distância: 165 km
Média: 24,6 km/h
Asc: 1394 m
Tempo: 6h42’
Acomodação/preço: albergue - 20 Euros

Percurso belíssimo até Terracina. Comecei o dia com uma fina chuva. Do km 50 ao km 120, só plano. Minhas costas sentiram um bocado. Últimos 40 kms difíceis. Subida forte do km 120 ao km 130. Um pouco de frio nos 650 metros de altitude. Final do dia só descendo até Roma!!   
 

 

14/05/2014  Roma

Descanso

15/05/2014  Roma - Bolsena

Distância: 114,4 km
Média: 22,3 km/h
Asc: 1750 m
Tempo: 5h08’
Acomodação/preço: camping - 10 Euros

 

Tempo bom com vento frio para variar! Estrada passava por meio de muitas árvores. Peguei um trecho com um vento contra “tufão”. Chegando a Montefiascone, avistei o belo Lago di Bolsena.
Contornei uma das bordas do lago até chegar à pequena cidade de Bolsena, onde descolei um camping para montar minha “casa”. Estava me sentindo bem. Empolgado com a beleza do lago, saí para correr. Acabei descobrindo uma pequena trilha às margens do lago. Show de corrida.

 

Após o banho no ”sujão”, fui às compras do dia, fiz o jantar e organizei as coisas para o café da manhã e lanche do dia seguinte.

Ao olhar o mapa a fim de ver o percurso que faria ao amanhecer, fiquei feliz em perceber que seria a última dobrada naquele mapa, pois, a partir de então, teria que comprar um mapa da próxima região. Isso significava apenas uma coisa: progressão!!

Senti um “up” no moral. Mais uma etapa conquistada. O sul e o centro da Itália haviam ficado pra trás!
Dois sentimentos concomitantes; felicidade de ter cumprido parte do trajeto e tristeza por saber que seria a última vez que veria muitos dos lugares pelos quais passei...
O show não pode parar!

15/05/2014  Lago di Bolsena - Siena

Distância: 117 km
Média: 22,1 km/h
Asc: 1322 m
Tempo: 5h17’
Acomodação/preço: albergue - 22 Euros

 

 

Terminei de “levantar” acampamento às 09h:40min, hora em que tomei meu café da manhã (um dos melhores da viagem) e zarpei para a estrada. Iniciei o dia com uma incômoda dor no joelho esquerdo, típica de fazer força pedalando sentado, ou, em meu caso, de “arrastar” 20 kg de bagagem (peso da bike + tralhas).

Um vento contra durante o dia inteiro atrasou um pouco minha progressão. Contudo, ao entrar na Toscana, com o belíssimo visual, ganhei novo fôlego. Ao final dos 80 kms, senti as pernas “queimarem” mais que fogo na mão! Bem fadigado...

O dia, apesar da pouca quilometragem, havia sido torturante. Sabia que, em breve, teria que tirar um dia off para dar um descanso para o joelhão.

Com o dia de pedal mais curto e tendo me hospedado em um albergue, aproveitei para fazer uma faxina geral; lavei as roupas “fedentinas”, limpei e lubrifiquei a bike, cortei as unhas e fiz a barba. Estava novo de novo!

 

 

 

  

 Continua...