segunda-feira, 29 de abril de 2013

Dientes de Navarino

 
 
Na volta da Antártica, o primeiro contato com terra foi em Puerto Williams (Chile), uma gélida vila de pescadores encrustada na ilha Navarino. Colhendo algumas informações sobre o local, observei inúmeras possibilidades de trekking pela região, inclusive o famoso circuito Dientes de Navarino.
 
 
 
Os Dientes de Navarino são uma cadeia de picos pontudos de pedras situados no meio da ilha Navarino. Aproveitando minha escala no local, desenrolei um mapa da região e planejei uma rota alternativa, cruzando os famosos Dientes de Navarino, seguindo até o lago Windhond e retornando por um vale paralelo ao da ida (qualhado de castores).





Conversando com alguns moradores da região, fui informado de que o percurso que havia planejado poderia ser realizado em torno de quatro a cinco dias, dependendo das condições climáticas e disposição da equipe. 

Equipe? Estava sozinho e preferi não comentar como planejava fazer o trekking.
 

Comprei os víveres necessários na vila e dormi minha última noite a bordo do "Sauvage" (barco em que eu acabara de chegar da Antártica). 
O percurso dava 60 km no total, o qual eu planejava fazer em três dias.
Saindo da marina onde o "Sauvage"  havia me deixado, segui em direção ao Cerro Bandera, primeira ascenção do trekking.



Lá de cima, já dava para perceber a dureza que iria encarar durante o percurso. Olhando para o Norte avistei o famoso canal Beagle e as montanhas nevadas da Terra do Fogo. Dali em diante, segui para o sul ganhando metros subindo uma das cristas que saem dos Dientes de Navarino

O piso da região é todo formado por pedras soltas, o que torna a caminhada bastante desconfortável. Com três horas de trekking, estava nos pés dos Dientes, começando a subir pela encosta final que dá acesso ao passo por onde eu cruzaria a cordilheira. 
 
Alcançando a parte mais alta da passagem, avistei o lago Windhond (local do retorno) e a a porção sul do trekking, momento em que vislumbrei que poderia andar bastante ainda naquele mesmo dia. Nas altas latitudes, o dia rende bastante, visto que se tem luz do dia até às 23:00hs.
 
Desta forma, desci pela encosta sul dos Dientes de Navarino pretendendo achar algum lugar mais abrigado para acampar. Ao chegar em uma cota onde o vento já não castigava tanto, parei para comer alguma coisa. Terminado o banquete, reparei que ainda teria boas horas de luz, momento em que decidi continuar até o dia escurecer. Estava a uns 400 metros acima do nível do mar e sabia que terminando a íngreme encosta que se encontrava a frente, teria apenas 5 quilômetros até a borda do lago Windhond, local em que eu pretendia chegar só no dia seguinte.
 
Diante da suposta "proximidade", me animei e segui decidido a montar minha barraquinha às margens do lago. Mas, nem tudo são flores por lá. Começando a descer a encosta por uma densa e úmida floresta, percebi que havia julgado erroneamente minha progressão até a parte plana. O terreno era muito escorregadio e instável, fato que me causou inúmeros tombos e risadas. Por sorte, não havia ninguém por perto para rir da minha situação. Foi um pouco assustador cruzar por centenas de enormes árvores caídas pela encosta. Com o acentuado declive e a umidade do local, o solo não proporciona uma boa base para a vegetação. 
Fiquei um bom tempo pensando na possibilidade de uma daquelas árvores cair enquanto eu estivesse passando por alí e ficasse preso embaixo de um tronco gigante. Lembrei -me do filme 127 horas (história real de um americano que fica com o braço preso entre uma rocha e uma parede e tem que cortar o próprio braço para sobreviver). Assim, acelerei o passo para não ter que cortar algum braço!

Depois de uma hora de perrengue descendo a floresta, avistei a parte plana do vale que me daria acesso ao lago. Dali até a margem, o GPS me indicava apenas quatro quilômetros. Ao pisar na parte plana do vale, percebi que meus problemas ainda não tinham acabado.
 
A parte plana era um charco em que, por várias vezes, afundei minhas pernas até os joelhos. Para piorar, dali até o lago eu não tinha outra opção de montar minha barraca. Segui inconformado e exausto para o lago Windhond.
No fim do primeiro dia e após 11 horas e 30 quilômetros de trekking, cheguei às margens do lago. Já escuro, montei minha barraca, fiz meu jantar e despenquei em meu saco de dormir tremendo de frio. 
Durante a madrugada, escutei inúmeros castores nadando próximos a barraca. Por volta de 05:00hs, uma leve chuva ameaçou incomodar durante o dia seguinte, mas, às 09:00hs, com um tempo fechado e sem chuva, levantei o acampamento rapidamente e zarpei de volta para o norte com a intenção de finalizar os outros 30 quilômetros do trekking no mesmo dia. Desta forma, faria todo o percurso em dois dias e me livraria de mais uma noite gelada nas terras austrais.

Levei 30' para percorrer novamente (na direção contrária) o trecho de charco. Na sequência, segui pelo vale cruzando inúmeros lagos represados pelos castores, fato que torna mais difícial a locomoção pelo vale. Quando comecei a subir pelo vale, o tempo, que até então mantinha-se estável, começou a piorar e uma chuva leve logo se transformou em torrencial. Ganhando altitude para cruzar de um vale ao outro, a temperatura despencou. Meus dedos estavam duros e gelados. 
Às 15:00hs a distância marcada no GPS para a vila de Puerto Williams (fim do trekking), era de quatro quilômetros. Contudo, ao chegar ao ponto onde o GPS marcava como sendo o fim da trilha, ainda me encontrava em meio ao vale sem nenhuma visão do canal Beagle, onde se situa a vila.  
Revisei o mapa e constatei que havia inserido um waypoint a menos, tendo ficado faltando o waypoint da chegada em Puerto Williams. Após as devidas correções no GPS, verifiquei que faltavam penosos três quilômetros de mata fechada e chuva intensa. A temperatura beirava 4ºC, o que, aliado à fome e à exaustão, me fazia delirar com uma cama quente e um prato de comida em Puerto Williams.
Ao avistar o Canal Beagle, ainda com a luz do dia, suspirei aliviado por saber que em minutos estaria tomando um banho quente.
Já bem instalado, limpo, quente e alimentado, tomava um belo cálice de vinho em um hostel com os pés ainda enrigecidos de frio voltados para a lareira. lembrando de tudo que tinha passado no longo e gélido mês de janeiro, pensei como seria meu retorno à rotina: trabalho, trânsito, horário, violência... No mesmo instante comecei a sentir saudades do perrengue!    

Abraço.
Manza
    
 
 
Agradecimentos:
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