Dientes de Navarino
Na volta da Antártica, o primeiro contato com terra foi em Puerto Williams (Chile), uma gélida vila de pescadores encrustada na ilha Navarino. Colhendo algumas informações sobre o local, observei inúmeras possibilidades de trekking pela região, inclusive o famoso circuito Dientes de Navarino.
Conversando com alguns moradores da região, fui informado de que o percurso que havia planejado poderia ser realizado em torno de quatro a cinco dias, dependendo das condições climáticas e disposição da equipe.
Equipe? Estava sozinho e preferi não comentar como planejava fazer o trekking.
O percurso dava 60 km no total, o qual eu planejava fazer em três dias.
Saindo da marina onde o "Sauvage" havia me deixado, segui em direção ao Cerro Bandera, primeira ascenção do trekking.
Lá de cima, já dava para perceber a dureza que iria encarar durante o percurso. Olhando para o Norte avistei o famoso canal Beagle e as montanhas nevadas da Terra do Fogo. Dali em diante, segui para o sul ganhando metros subindo uma das cristas que saem dos Dientes de Navarino
O piso da região é todo formado por pedras soltas, o que torna a caminhada bastante desconfortável. Com três horas de trekking, estava nos pés dos Dientes, começando a subir pela encosta final que dá acesso ao passo por onde eu cruzaria a cordilheira.
Desta forma, desci pela encosta sul dos Dientes de Navarino pretendendo achar algum lugar mais abrigado para acampar. Ao chegar em uma cota onde o vento já não castigava tanto, parei para comer alguma coisa. Terminado o banquete, reparei que ainda teria boas horas de luz, momento em que decidi continuar até o dia escurecer. Estava a uns 400 metros acima do nível do mar e sabia que terminando a íngreme encosta que se encontrava a frente, teria apenas 5 quilômetros até a borda do lago Windhond, local em que eu pretendia chegar só no dia seguinte.
Alcançando a parte mais alta da passagem, avistei o lago Windhond (local do retorno) e a a porção sul do trekking, momento em que vislumbrei que poderia andar bastante ainda naquele mesmo dia. Nas altas latitudes, o dia rende bastante, visto que se tem luz do dia até às 23:00hs.
Diante da suposta "proximidade", me animei e segui decidido a montar minha barraquinha às margens do lago. Mas, nem tudo são flores por lá. Começando a descer a encosta por uma densa e úmida floresta, percebi que havia julgado erroneamente minha progressão até a parte plana. O terreno era muito escorregadio e instável, fato que me causou inúmeros tombos e risadas. Por sorte, não havia ninguém por perto para rir da minha situação. Foi um pouco assustador cruzar por centenas de enormes árvores caídas pela encosta. Com o acentuado declive e a umidade do local, o solo não proporciona uma boa base para a vegetação.
Fiquei um bom tempo pensando na possibilidade de uma daquelas árvores cair enquanto eu estivesse passando por alí e ficasse preso embaixo de um tronco gigante. Lembrei -me do filme 127 horas (história real de um americano que fica com o braço preso entre uma rocha e uma parede e tem que cortar o próprio braço para sobreviver). Assim, acelerei o passo para não ter que cortar algum braço!
Depois de uma hora de perrengue descendo a floresta, avistei a parte plana do vale que me daria acesso ao lago. Dali até a margem, o GPS me indicava apenas quatro quilômetros. Ao pisar na parte plana do vale, percebi que meus problemas ainda não tinham acabado.
A parte plana era um charco em que, por várias vezes, afundei minhas pernas até os joelhos. Para piorar, dali até o lago eu não tinha outra opção de montar minha barraca. Segui inconformado e exausto para o lago Windhond.
No fim do primeiro dia e após 11 horas e 30 quilômetros de trekking, cheguei às margens do lago. Já escuro, montei minha barraca, fiz meu jantar e despenquei em meu saco de dormir tremendo de frio.
Durante a madrugada, escutei inúmeros castores nadando próximos a barraca. Por volta de 05:00hs, uma leve chuva ameaçou incomodar durante o dia seguinte, mas, às 09:00hs, com um tempo fechado e sem chuva, levantei o acampamento rapidamente e zarpei de volta para o norte com a intenção de finalizar os outros 30 quilômetros do trekking no mesmo dia. Desta forma, faria todo o percurso em dois dias e me livraria de mais uma noite gelada nas terras austrais.
Levei 30' para percorrer novamente (na direção contrária) o trecho de charco. Na sequência, segui pelo vale cruzando inúmeros lagos represados pelos castores, fato que torna mais difícial a locomoção pelo vale. Quando comecei a subir pelo vale, o tempo, que até então mantinha-se estável, começou a piorar e uma chuva leve logo se transformou em torrencial. Ganhando altitude para cruzar de um vale ao outro, a temperatura despencou. Meus dedos estavam duros e gelados.
Às 15:00hs a distância marcada no GPS para a vila de Puerto Williams (fim do trekking), era de quatro quilômetros. Contudo, ao chegar ao ponto onde o GPS marcava como sendo o fim da trilha, ainda me encontrava em meio ao vale sem nenhuma visão do canal Beagle, onde se situa a vila.
Revisei o mapa e constatei que havia inserido um waypoint a menos, tendo ficado faltando o waypoint da chegada em Puerto Williams. Após as devidas correções no GPS, verifiquei que faltavam penosos três quilômetros de mata fechada e chuva intensa. A temperatura beirava 4ºC, o que, aliado à fome e à exaustão, me fazia delirar com uma cama quente e um prato de comida em Puerto Williams.
Ao avistar o Canal Beagle, ainda com a luz do dia, suspirei aliviado por saber que em minutos estaria tomando um banho quente.
Já bem instalado, limpo, quente e alimentado, tomava um belo cálice de vinho em um hostel com os pés ainda enrigecidos de frio voltados para a lareira. lembrando de tudo que tinha passado no longo e gélido mês de janeiro, pensei como seria meu retorno à rotina: trabalho, trânsito, horário, violência... No mesmo instante comecei a sentir saudades do perrengue!
Abraço.
Manza
Às 15:00hs a distância marcada no GPS para a vila de Puerto Williams (fim do trekking), era de quatro quilômetros. Contudo, ao chegar ao ponto onde o GPS marcava como sendo o fim da trilha, ainda me encontrava em meio ao vale sem nenhuma visão do canal Beagle, onde se situa a vila.
Revisei o mapa e constatei que havia inserido um waypoint a menos, tendo ficado faltando o waypoint da chegada em Puerto Williams. Após as devidas correções no GPS, verifiquei que faltavam penosos três quilômetros de mata fechada e chuva intensa. A temperatura beirava 4ºC, o que, aliado à fome e à exaustão, me fazia delirar com uma cama quente e um prato de comida em Puerto Williams.
Ao avistar o Canal Beagle, ainda com a luz do dia, suspirei aliviado por saber que em minutos estaria tomando um banho quente.
Já bem instalado, limpo, quente e alimentado, tomava um belo cálice de vinho em um hostel com os pés ainda enrigecidos de frio voltados para a lareira. lembrando de tudo que tinha passado no longo e gélido mês de janeiro, pensei como seria meu retorno à rotina: trabalho, trânsito, horário, violência... No mesmo instante comecei a sentir saudades do perrengue!
Abraço.
Manza
Agradecimentos:
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