quinta-feira, 21 de março de 2013

Antartica - parte final



   
 
As ilhas Argentines, onde se situa a base ucraniana, eram nosso último ponto abrigado para ancoragem do veleiro antes do Cabo Trois Péres, local onde se encontrava nosso objetivo, o monte Rio Branco. Distante vinte milhas náuticas (aproximadamente 37 km) da base ucraniana, o Cabo Trois Péres não oferecia boas condições para um pernoite com o veleiro ancorado.
 
 


 
A todo momento corre-se o risco de inúmeros icebergs chocarem-se com o barco, sem falar da instabilidade do tempo, que pode mudar rapidamente. Por todos estes “detalhes”, não poderíamos contar com o barco nos esperando por muito tempo enquanto tentávamos escalar o monte Rio Branco. Desta forma, deveríamos desembarcar no Cabo Trois Péres para sermos resgatados, na melhor das hipóteses, em três dias, caso o tempo permitisse a aproximação do barco. Contudo, o prazo que dispúnhamos do veleiro estava se esgotando, assim como os víveres, e, desta forma, não poderíamos fazer um reconhecimento da base do monte Rio Branco da maneira como desejávamos, ou seja, pernoitar algumas noites em seus arredores enquanto tentássemos um ataque ao cume por uma possível via.   

Diante destas “determinações involuntárias”, fomos ao Cabo Trois Péres a fim de vê-lo de perto e analisarmos as possíveis rotas ao cume. Lá chegando, constatamos realmente que, se quiséssemos subir o monte Rio Branco, teríamos que permanecer no local alguns dias mais.

Como não dispúnhamos desse prazo, passamos a analisar uma possível ascensão ao cume do Cabo Perez (localizado ao lado do monte Rio Branco), que poderia, supostamente, ser realizada em apenas um dia.
Assim, às 07:40hs do dia 14 de janeiro, desembarcamos em um dos poucos acessos ao Cabo Trois Péres eu, João e o Luis. Após organizarmos os equipamentos, saímos encordados à uma distância de 15 metros entre cada, levando em nossos baudriers (cadeirinhas) quase cinco quilos de equipamentos para ancoragem durante nossa ascensão, fora a mochila, com algumas camadas extras de roupas e mantimentos.




A via que seguimos iniciava-se com uma caminhada em neve até se atingir a parte onde os piolets (piquetas) começaram a realmente ser usados devido à inclinação da encosta de neve.


 
 
 
Mais ou menos com duzentos metros de altitude, encontramos a primeira greta que teríamos que cruzar. Para tanto, fixei um parafuso de gelo e uma estaca para garantir a segurança neste trecho.


A partir desta greta, iniciamos o trecho mais íngreme da subida (+- 60º). Com atenção redobrada e o som das “piquetas e crampos” perfurando o gelo, deixamos o trecho mais exposto e atingimos o platô principal da via. Dali em diante, o maior adversário foram as inúmeras gretas que tivemos que cruzar. Esse processo consumia um precioso tempo, visto que cada um que se encontrava cruzando uma greta, era assegurado pelos outros dois. Com duas horas de escalada e bem aquecidos pelo intenso esforço físico, atingimos os 600 metros de altitude, faltando, assim, meros 75 metros de neve acumulada a serem transpostos.
 
 

Levamos exatas três horas para chagar ao cume do Cabo Peres. A vista do cume compensou todo o investimento. De lá avistamos a baía Bescochea ao sul, o monte Rio Branco à leste e o minúsculo veleiro que nos esperava ancorado ao largo. Permanecemos 20’ no cume. Tempo suficiente para nos hidratarmos, comermos e tirarmos algumas fotos.
 
 
O sucesso de uma escalada só se comemora ao deixar a montanha, pois, após a conquista do cume, ainda se tem a metade dos problemas durante a descida. Por conta disso, sugeri que iniciássemos logo nossa volta. Quando iniciamos a descida, sabíamos que teríamos seis grandes gretas a serem transpostas.

Só não contávamos com a dificuldade de visualização dos degraus que havíamos feito durante a subida, fato que, aliado à neve já mais derretida pela adiantada hora do dia, custou um pouco mais de tempo para descer.




 
 
 
No momento em que embarcamos novamente no “Sauvage”, sabíamos que estávamos fora dos perigos que a montanha oferece. Apesar de ainda termos toda a passagem do Drake pela frente, foi um momento de grande alívio e relaxamento.

Para celebrar a conquista do Cabo Peres, retiramos um pedaço de gelo da montanha que havíamos subido e, com alguns limões que sobravam, fizemos uma deliciosa caipirinha!
Do Cabo Trois Peres, subimos para a estação Verdnasky, de onde partimos no dia seguinte para nosso último pernoite na Antartica, em Port Charcot (Booth Island). Ali tomamos o 3º e último banho da expedição.
 

No dia 16 de janeiro, saímos às 14:00hs na direção norte até as ilhas Wawwermans, para, na sequência, rumar para o noroeste, deixando a ilha Anvers por boreste. Após um tempo nesta direção, aproamos para o norte em direção ao Cabo Horn. Naquele momento, fizemos nossa última contemplação do continente antártico. Toda uma cadeia de montanhas cobertas de neve, destacando-se o Capo Renard, perdendo a nitidez à medida que nosso veleiro ia se distanciando e perdendo latitudes.
 
Depois de quatro entediantes e “mexidos” dias a bordo do “Sauvage”, finalmente aportamos na ponta da América do Sul, em Puerto Williams. Enfim, me sentia em casa novamente. Foi curioso me surpreender com a presença de vegetação. Fazia 25 dias que não via uma graminha!
 

Já de volta à inconveniência da tecnologia, ficamos sabendo que nossa expedição ao monte Rio Branco despertou o interesse de alguns alpinistas que se encontravam na Antartica. Alguns dias após deixarmos o Cape Trois Perez, os integrantes do veleiro “Podorange” encontraram uma rota pelo lado sudeste da montanha, por onde alcançaram o cume do monte Rio Branco, supostamente, se tornando os primeiros homens a escalá-lo. Nem mesmo longe da civilização a gana de ser o primeiro está ausente! 
Tendo competido mais da metade de minha vida, aprendi que existem coisas que não são disputáveis, como por exemplo a Antártica. Assim como este continente, as montanhas estão pelo mundo para serem desfrutadas e respeitadas e não conquistadas como se diz por aí...
 
 
 



Agradecimentos:
Traveler.com.br
D'stak academia
Super bike 101
Kona bikes
Bike Brothers
Lívia (pela paciência)
Família (pelo apoio)
Marcos Amend, Gabriel e Ivone (pela companhia) e

João e Luis (pela fabulosa experiência).