Expedição Antartida - parte I
Integrantes da expedição:
João Paulo Barbosa
Luis Hashimura
Ivone Lopes
Gabriel Marques
Marcos Amend
Alexandre Manzan
“Nunca
supe el verdadero color de los muebles porque estuvieron cubiertos com fundas
blancas hasta que se los llevó um incêndio”
Trecho
do livro: Confieso que he vivido de P. Neruda
O João já havia me convidado para subirmos
uma montanha há algum tempo. Em maio de 2012, recebi uma ligação dele me
dizendo que planejava fretar um veleiro para irmos à Antártica escalar o monte
Rio Branco (uma das duas montanhas com nomes brasileiros naquele continente).
O monte Rio Branco fica no Cabo Perez, na latitude 65ºS, tem aproximadamente
960 metros e a única informação que tínhamos era que ele ainda não havia sido
escalado. Até confirmarmos a viagem, tínhamos inúmeros detalhes e problemas a
serem estudados e eliminados.
O
veleiro escolhido pelo João dispunha de uma janela de tempo para ir à
Antártica entre os dias 28 de dezembro de 2012 e 24 de janeiro de 2013. Desta
maneira, tínhamos que convidar mais quatro pessoas “dispostas” a passarem quase
um mês sacolejando dentro de um pequeno veleiro pelos gélidos mares austrais do
planeta. Já na primeira tentativa de preenchimento do veleiro, um casal, que
havia confirmado, desistiu da empreitada. Desanimado com as dificuldades desta
fase, achei que não conseguiríamos fechar a equipe do barco. Faltando apenas
dois meses para a data da partida, o João conseguiu reunir mais quatro
integrantes, fechando, assim, esta fase dramática. Zarparíamos no veleiro
“Sauvage” com sua tripulação eu, João Paulo Barbosa (fotógrafo e montanhista)
Luis Hashimura (escalador), Ivone Lopes (terapeuta), Gabriel Marques (artista
circense) e Marcus Amend (fotógrafo), equipe que se mostraria perfeitamente
entrosada e livre de conflitos durante toda a viagem.
Iniciou-se, então, a correria para organizar
os equipamentos necessários, os quais, para uma viagem como esta, são numerosos
e específicos. Tive, inclusive, que fabricar alguns equipamentos para ancoragem
de escalada em neve, pois não tivemos um acesso fácil a este tipo de equipamento
em terras tupiniquins! Corri atrás das especificações das estacas e placas para
ancoragem na internet, comprei o material e fabriquei as peças que nos ajudaram
a voltar vivos de nossas escaladas na Antártica.
Com quase tudo organizado, faltava, talvez, a
parte mais complicada: conseguir coincidir minhas férias com o período
estipulado para a expedição. Após uma longa negociação, consegui a data certa
para minhas férias.
No dia do embarque, fatigado pelo longo
processo de organização, ainda tentava lembrar-me de algo que pudesse ter
esquecido. Depois de decolar ruma a Ushuaia, local da partida de nossa viagem
rumo a Antártica, despenquei em um sono profundo e tranquilo.
Embarcamos no “Sauvage”, veleiro que seria
nosso transporte e casa por 30 dias, em uma manhã fria e nublada. No dia 28 de
dezembro, saímos pelo canal Beagle em direção a Puerto Williams – Chile, local
em que pernoitamos uma noite a fim de aguardarmos uma zona de baixa pressão que
passava pela rota em que cruzaríamos o oceano rumo ao continente gelado. No dia
30 de dezembro, passamos pelo Cabo Horn e seguimos em direção a Antártica. A
partir daquele ponto, só veríamos terra quatro dias depois.
A passagem do Drake é uma zona de confluência
de correntes marítimas e de ventos, o que faz desse local um dos piores para a
navegação. Iríamos permanecer neste trecho durante um tempo considerável, fato
que nos obrigou a esperar por uma boa janela de tempo. Ainda assim, como vimos,
o Drake há de ser respeitado! Dos seis passageiros a bordo, cinco passaram mal
com o temperamento do mar. Durante nossa navegação pelos canais da Terra do
Fogo, nos reuníamos frequentemente na mesa de centro do interior do veleiro
para conversarmos e discutirmos nosso roteiro antártico. Contudo, foi só
sairmos para mar aberto que o silêncio reinou no interior do barco. Cada um em
seu micro leito desfrutando de seus pensamentos e angustias em relação àquela
nova experiência.
A viagem se torna um pouco mais confortável
após o segundo dia, quando se adapta um pouco aos movimentos do barco. Porém, a monotonia aumenta proporcionalmente.
Passamos a virada do ano em meio ao Drake, desejando votos de felicidade uns
aos outros sem sair de nossos sacos de dormir!
No dia 02 de janeiro, avistamos os primeiro
icebergs e as primeiras ilhas do continente antártico. Passamos pelo estreito
de Boyd, entre as ilhas Snow e Smith, já em latitudes superiores aos 60º sul. O
frio não castigou conforme o esperado. Convivemos entre uma faixa de 0º à 9º C,
nada complicado se está com roupas apropriadas.
A imagem que tenho deste dia me marcou
sobremaneira. A atmosfera gélida e cinza da convergência antártica, com uma
névoa sombria que só nos permitia enxergar uns 100 metros acima do nível do
mar, pequenas ilhas cobertas de gelo e inúmeros icebergs assustadoramente
cruzando por nossa proa. Assim foi meu primeiro contato com o continente gelado.
Era como estar em outro planeta, o qual, apesar de te dar as boas vindas,
anuncia “friamente” que aquele lugar não é dos homens. Percebi como estava
longe de casa! Avistamos a 1ª baleia da viagem no dia 3 de janeiro, a meros 15
metros do barco.
Extasiados com as novas imagens, esquecemos
até mesmo os 3º C que nos receberam. Deixamos a ilha Two Hummorock por
estibordo até chegarmos à pequena ilha Curveville (S 64º 41,23’ W 062º 37,88’),
já inserida na península antártica. Nesta ilha, fizemos nossa primeira
ancoragem. Aproveitamos nossa estada de 3 dias para testarmos todos os
equipamentos de escalada em gelo. Nesta primeira ancoragem, também comemoramos
oficialmente nosso ano novo, com direito a um bom vinho chileno e até um
desafinado karaokê.
No dia seguinte, fomos presenteados com um céu claro e temperatura agradável (10º C). Diante dessas condições, pegamos um caiaque inflável e algumas pranchas de stand up e fomos explorar os arredores da ilha. A primeira vez realmente agente nunca esquece! Meu primeiro contato com pinguins foi incrível, sem dúvida o animal mais dócil e curioso daquele continente. Ao longo de nossa expedição, presenciamos os hábitos e a rotina desses belos animais, cenas que nos deixava atônitos e hipnotizados.
Após 3 dias ancorados na ilha Curveville,
zarpamos rumo a latitudes mais altas. Cruzamos a baía Andvord e entramos em
Paradise bay, onde avistamos a base chilena e, logo após, a argentina.
Pernoitamos ancorados em um dos lugares mais bonitos da viagem. Uma pequena reentrância no canto da baía nos abrigava em meio a uma cadeia de montanhas que surgiam do nível da água e seguiam em direção ao céu. Notamos neste local uma possibilidade de realizar uma escalada em uma cascata de gelo encravada em uma rachadura da montanha. Havia combinado com o Luis de tentarmos fazer a ascensão no dia seguinte. Passei o final do dia observando a rota escolhida e notei que mais para a direita da via havia boas chances de desprendimento de gelo.
Pernoitamos ancorados em um dos lugares mais bonitos da viagem. Uma pequena reentrância no canto da baía nos abrigava em meio a uma cadeia de montanhas que surgiam do nível da água e seguiam em direção ao céu. Notamos neste local uma possibilidade de realizar uma escalada em uma cascata de gelo encravada em uma rachadura da montanha. Havia combinado com o Luis de tentarmos fazer a ascensão no dia seguinte. Passei o final do dia observando a rota escolhida e notei que mais para a direita da via havia boas chances de desprendimento de gelo.
No outro dia, começamos a subida às 08:00hs,
com o gelo apresentando uma boa consistência. Contudo, após uma hora de
escalada e com o sol já a pino, notamos que o “crux” da via (parte mais
complicada) não possuía boas condições para a fixação das estacas –
equipamentos que dão segurança durante a escalada em gelo. Paramos para
discutirmos a melhor rota a seguir quando ouvimos o barulho que nenhum
alpinista quer ouvir.
“- Avalanche”, gritei para o Luis.
“- Cola na pedra (parede)”. Esperei que os
escombros fossem passar por cima de nós devido ao barulho ensurdecedor. Mas,
quando olhamos para baixo, em direção ao mar, notamos os escombros de gelo e
pedras atingirem a água com violência a nossa direita. Por sorte a avalanche
não nos atingiu. Do barco, os outros integrantes – horrorizados - admiraram a
cena, tendo, inclusive, registrado todo o acontecido.
Decidimos, então, dar meia volta e seguir
para o barco. Recuperados do susto, levantamos âncora e seguimos viagem na
direção sul. Devido ao atraso na escalada, zarpamos duas horas depois do
planejado, o que nos custou o enfrentamento de ventos de até 50 nós em frente à
ilha Weincke, pouco antes de chegarmos ao destino do dia, a baía de Dorian
Cove, ponto onde o velejador Amyr Klink houvera realizado sua invernagem na
Antártica.
Agradecimentos:
Traveler.com
D´stak Academia